Hoje o tratamento da doença crônica é um desafio para todos os envolvidos em seu cuidado, do sistema de saúde aos profissionais, familiares e pacientes.
O diabetes é uma doença crônica, multifatorial e evolutiva. Se em sua progressão, seja de forma silenciosa ou não, o paciente permanecer no mau controle, isto pode acarretar complicações com sequelas irreversíveis.
Apesar de todos os investimentos em avanços farmacológicos e de equipamentos, da especialização crescente dos profissionais envolvidos na área, pouco se consegue no sentido de controlar a doença.
Dados do IDF revelam que mais de 5 milhões de pessoas morreram por causa do diabetes em 2013. Temos 382 milhões de portadores da doença sendo que a cada 6 segundos uma pessoa morre em decorrência do diabetes.
Diante desse panorama podemos nos sentir impotentes. Nesse momento cabe pensar sobre como, enquanto profissionais, interagimos com o paciente que chega até nós com um diagnóstico de diabetes. Será que um único profissional tem condição de abarcar toda demanda para que o paciente atinja e mantenha o controle da doença?
Talvez essa crença seja exatamente o que dificulta nossa atuação profissional. Não podemos imaginar que existe uma resposta simples para uma doença tão complexa que exige tanto de seu portador como de seus cuidadores. Ter essa consciência é o primeiro passo para nos organizarmos em relação ao tratamento do diabetes.
É muito comum que os profissionais tenham a expectativa de que a família participe dos cuidados do paciente com sua doença. A família comumente se envolve com o tratamento para o bom controle da doença o que pode constituir uma ajuda importante para o portador e profissionais, mas é importante que o paciente desenvolva autonomia em relação ao cuidado de sua doença e esta não seja o grande organizador das relações intrafamiliares, o que poderia levar o diabetes ou o diabético a serem os bodes expiatórios das dificuldades que as famílias encontram em seu caminho.
Cabe ao profissional de saúde ser o principal parceiro do paciente na jornada de conhecer sua doença e aprender a lidar com ela. Sendo o diabetes uma doença crônica, ou seja, “para sempre”, mesmo que tudo seja feito corretamente em determinado momento o tratamento vai necessitar de ajustes e este deve ser feito junto com os profissionais.
Um paciente que conheça bem sua doença e esteja apto a lidar com os desafios que seu autocuidado impõe será um grande aliado na prevenção de complicações, como também um agente multiplicador do conhecimento para outros diabéticos.
Para fazer frente a esses desafios acreditamos que o trabalho em equipe interdisciplinar apresenta os recursos necessários tanto para os profissionais como para os pacientes.
Entendemos que a atuação interdisciplinar difere em muito de uma atuação multidisciplinar. Na multidisciplinaridade cada profissional atende o paciente fazendo a contribuição da sua área para o tratamento do mesmo. Na interdisciplinaridade, os profissionais de cada disciplina o atendem em conjunto e trocam informações entre si com o intuito de definir o melhor tratamento.
Em equipe interdisciplinar os profissionais não se sentem sobrecarregados pela necessidade de adequar o tratamento do paciente a seu contexto social, cultural e familiar, pois cada membro da equipe faz isso durante suas intervenções. Essa postura onde os profissionais buscam criar um tratamento singular para cada paciente levando em conta as especificidades de sua doença, e de seu momento de vida, darão frutos a médio e longo prazo em relação à adesão ao tratamento, com melhor controle glicêmico e redução das complicações.
Para o paciente a equipe possibilita a ampliação de seu conhecimento frente à doença. Ver o envolvimento desta, seu empenho em promover as condições para que ele possa cuidar bem de sua doença, gera a motivação necessária para que ele realize os procedimentos necessários para seu cuidado, além de promover e fortalecer os vínculos criados com um ou mais profissionais da equipe.
Investir na construção do vínculo com o paciente nos permite convida-lo para uma participação ativa em relação à definição de seu tratamento desenvolvendo assim uma postura de corresponsabilidade em relação a este.
Levantar com o paciente seus horários de trabalho, refeição, sono, nos permite adequar a medicação a sua realidade. Saber dos seus hábitos alimentares, comidas prediletas, datas importantes nos permite adequar sua alimentação para um bom controle glicêmico. Entrar em contato com sua visão sobre o diabetes, quais seus receios e medos, saber do seu momento de vida atual, nos permite introduzir a informação necessária para seu autocuidado. Ensinar como tomar a medicação, medir a glicemia, cuidar dos pés ou aplicar a insulina possibilita prevenir o avanço da doença. Viabilizar a prática de atividade física ajuda a manter o controle glicêmico além de todos os benefícios do exercício (condicionamento muscular e cardiovascular), ou seja, o caminho para trabalhar com todas essas informações só é possível com a integração do médico, nutricionista, psicólogo, enfermeiro e educador físico em torno de um único objetivo: levar o paciente ao controle glicêmico respeitando seu estilo de vida.
Na equipe se torna possível mergulhar nas singularidades do paciente, trazendo uma riqueza de informações que possibilita a ampliação de nossa ação profissional. Para ampliar sua efetividade se faz necessária uma mudança de paradigma, o atendimento deixa de ser centrado na atuação médica ou na patologia e passa a ser centrado no paciente.
Nossas reflexões se dão a partir do trabalho num grupo que já realizou esta mudança de paradigma o que permite que o trabalho se dê num contexto privilegiado, seu modelo de atuação num formato intensivo possibilita agilizar a obtenção do controle glicêmico facilitando que o paciente se aproprie do conhecimento necessário e crie autonomia em relação ao cuidado com a doença.
Os casos citados abaixo são alguns exemplos de como considerar a realidade do paciente e como o fato de levar em conta o que é importante para ele constituem fatores fundamentais para sua adesão ao tratamento.
Homem, 55 anos, ortoptista, diabético há 13 anos.
Veio para o Grupo com quadro de hiperglicemia, uma glicemia média de 250, mesmo estando medicado. Em seu tratamento buscou- se inicialmente otimizar a medicação de que vinha fazendo uso mesmo assim apresentou pouca melhora, os resultados eram desanimadores.
Ao longo deste período as nutricionistas e a equipe de psicologia buscaram trabalhar com ele como melhorar sua alimentação e ter horários regulares, apesar das dificuldades que referia por ter uma vida muito corrida.
Se os resultados de sua glicemia tivessem sido os únicos organizadores da conduta ele teria começado a usar insulina. No entanto o fato do trabalho acontecer em equipe permitiu que os médicos esperassem pelo resultado das intervenções das outras áreas, e após a quarta semana o paciente atingiu o controle glicêmico.
O paciente compreendeu a necessidade de seguir a orientação alimentar que foi adequada sempre que possível às demandas de seu estilo de vida.
Menino, 14 anos, diabético tipo 1 há 10 anos.
Veio para o Grupo indicado por uma das médicas, havia acabado de sair de uma internação devido ao descontrole glicêmico, chegou a verbalizar que era melhor morrer do que viver assim, estava completamente indiferente aos cuidados com o diabetes, não realizava nenhum dos procedimentos, todos eram efetuados pela mãe, da medição a à aplicação da insulina.
Sua mãe estava exausta e desesperada, há 10 anos vivia em função do diabetes do filho sem conseguir manter o controle glicêmico e extremamente irritada com a indiferença dele em relação ao autocuidado.
Ao longo do processo foi trabalhado o vínculo dos dois em relação a doença. Após a equipe ter treinado o paciente para a auto aplicação da insulina a mãe foi incentivada a delegar para ele a execução de todos os procedimentos, bem como a responsabilidade pela sua alimentação.
Nesse período a mãe recebeu suporte para tolerar a ansiedade do processo de transição e o menino foi sendo conscientizado dos benefícios da autonomia nos cuidados do diabetes.
Após 4 semanas o menino já realizava suas medições e aplicações da insulina, em 10 semanas o stress no vínculo havia diminuído. As manipulações realizadas através da alimentação e os ”prêmios” em função da doença foram desarticulados, mãe e filho começaram a viver as questões pertinentes à adolescência.
Atualmente a mãe foi fazer faculdade incentivada pelo filho, se veem algumas horas por dia:
“…Nunca imaginei que estaria sentada num banco de faculdade, na minha família nós olhávamos pro V como alguém com uma doença incurável e isso mudou”
Hoje o menino tem um comportamento e a energia equivalente a sua idade, consegue perceber que chegou ao Grupo infantilizado e hoje é dono de si mesmo.
Tanto para o paciente, quanto para a equipe o trabalho interdisciplinar possibilita um acesso mais rápido aos resultados esperados. A troca entre profissionais além de promover um conhecimento sobre as diversas áreas, possibilita a cada um ampliar seu repertório de atuação junto aos pacientes. .
“ Hoje não consigo mais entender como um médico consegue atender pacientes diabéticos sem equipe”
“Quando eu assisto um atendimento em outro hospital eu penso: – não consigo mais atender assim”
“Meu trabalho aqui é muito mais fácil, com a intervenção da equipe o paciente vê o resultado e minhas falas ficam muito mais efetivas”.
Esperamos que este texto possa contribuir com os profissionais em seus contextos de atuação e traga benefícios para todos os envolvidos no sistema de cuidado do diabetes.
Fonte: Portal da SBD