Segundo estudo espanhol, a lipoproteína de baixa intensidade é o maior preditor da presença de placas ateroscleróticas nas artérias após os 50 anos.
Fonte: Ciência e Saúde do CB, por Paloma Oliveto em 23/01/2018
Conhecido como “mau colesterol”, a lipoproteína de baixa intensidade (LDL-C) pode ser o motivo pelo qual muitas pessoas aparentemente saudáveis sofrem infarto ou derrame na meia-idade, mesmo não tendo outros fatores de risco cardiovascular, como tabagismo, hipertensão, obesidade, diabetes e dislipidemia (níveis elevados de lipídio no sangue). Depois de faixa etária (ter mais de 50 anos) e de sexo (ser homem), o LDL-C, mesmo em taxas consideradas normais, é o maior preditor da presença de placas ateroscleróticas nas artérias, segundo um estudo do Centro Nacional de Investigações Cardiovasculares Carlos III (Cnic) da Espanha, publicado no Journal of the American College of Cardiology (JACC).
De acordo com os autores do trabalho, o resultado sugere a necessidade de estratégias mais agressivas para reduzir os níveis de mau colesterol voltadas, inclusive, aos indivíduos que teriam baixas chances de sofrer eventos cardiovasculares. “Por isso, precisamos definir novos marcadores de placas ateroscleróticas precoces nessas pessoas aparentemente saudáveis”, explica Leticia Fernández-Friera, principal autora do estudo. Ela destaca também que, de todos os fatores de risco associados a esses problemas, o LDL-C é, por sorte, o mais fácil de modificar, facilitando na prevenção de infarto e derrame.
O novo artigo é uma subanálise do estudo Progressão de Aterosclerose Precoce Subclínica (PESA), e avaliou 1.779 participantes que não apresentavam os fatores de risco clássicos. O principal objetivo foi definir quais elementos poderiam levar à formação de placas nas artérias dessa população. Para isso, os pesquisadores analisaram a associação de dados biométricos e padrões de estilo de vida à presença desses depósitos de gordura.
Usando tecnologia de imagem não invasiva (PET scan, ressonância magnética, tomografia computadorizada e ultrassom 2D e 3D), os cientistas conseguiram visualizar quando e como a aterosclerose começou a se instalar, e o que ocorreu para ela se manifestar clinicamente. Normalmente, a condição é detectada apenas em estágio avançado, depois de ter provocado eventos como infarto e derrame. Depois que esses problemas ocorrem, geralmente os pacientes sofrem com um declínio permanente da qualidade de vida, pois as opções de tratamento para as sequelas são ainda limitadas. Do ponto de vista da saúde pública, o impacto financeiro é imenso, observa o artigo.
“Graças ao ultrassom vascular, podemos visualizar diretamente a presença de placas de colesterol nas artérias carótidas, na aorta e nas artérias iliofemorais. Com a tomografia computadorizada, somos capazes de detectar calcificação nas artérias coronarianas. Então, com essas abordagens, pudemos avaliar o progresso da doença nos indivíduos”, conta Javier Sanz, coautor do estudo. Os exames demonstraram que as placas estavam presentes em 50% dos indivíduos entre 40 e 54 anos, não tabagistas e sem histórico de hipertensão, diabetes mellitus ou dislipidemia.
Os resultados também mostraram que, depois de sexo e idade, o preditor mais forte da formação de placas era o “mau colesterol”. “Mesmo em pessoas com taxas ideais de pressão sanguínea, açúcar no sangue e colesterol total, detectamos uma associação independente entre o nível de LDL-C circulante e a presença e a extensão de aterosclerose subclínica (sem sinais aparentes)”, diz Javier Sanz.
“Isso pode ajudar a melhorar a prevenção cardiovascular na população em geral, mesmo antes que se apareçam os fatores de risco convencionais. A habilidade de identificar pacientes com a doença antes do aparecimento dos sintomas pode ajudar a evitar ou a reduzir as complicações associadas, o que se traduziria em um enorme benefício social e enconômico”, completa Leticia Fernandez-Friera. Ela afirma, contudo, que só daqui a 15 ou 20 anos será possível avaliar o benefício da intervenção precoce. O projeto PESA é de longo prazo, e os participantes serão acompanhados ao longo de toda a vida.
Principal causa de morte em todo o mundo, as doenças cardiovasculares têm alta prevalência e, por isso, considera-se que as estratégias de prevenção devem ser prioridade para a saúde pública. No ano passado, as principais sociedades cardiológicas, inclusive a brasileira, reviram os parâmetros de colesterol (veja arte), tornando as diretrizes mais rígidas.
Multifatorial
“A aterosclerose é um iceberg. Conhecemos a ponta, mas não a base, ou seja, a causa genuína”, afirma o ex-presidente e atual conselheiro da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) Lázaro Fernandes de Miranda, coordenador de Cardiologia do Hospital Santa Lúcia. De acordo com ele, o que se sabe é que inflamações crônicas favorecem o surgimento das placas e, de todos os fatores causadores desse processo inflamatório, o “mau colesterol” é considerado o principal. “Outros que estão sendo estudados são a elevação das proteínas PCR, IL1 beta e IL 6. Pesquisas muito recentes demonstraram que uma vez tratada a inflamação, se reduziu ou inibiu a propensão à aterosclerose”, diz.
Inclusive, a substância canaquinumabe, um anticorpo monoclonal com indicação para o tratamento de artrite idiopática juvenil, demonstrou ter efeito secundário em estudo divulgado em agosto: a redução de padrões inflamatórios e, consequentemente, de eventos cardiovasculares. Ela age inibindo a produção IL 1 beta, aumentada em indivíduos que sofreram infarto e derrame.
Miranda destaca que, apesar da influência do LDL-C e das substâncias apontadas nas pesquisas mais recentes sobre o tema, a aterosclerose não é consequência de um único fator. “Existe um programa de estilo de vida do cardiologista norte-americano Dean Ornish que inclui atividade física vigorosa, dieta vegetariana, medicação e controle do estresse, que é um dos fatores de gatilho dos eventos cardiovasculares. Uma pesquisa mostrou que 82% das pessoas que seguiram o programa tiveram redução ou estabilização das placas. Os 18% continuaram progedindo, o que poderia ser explicado por predisposição genética”, diz o médico.
Essa, aliás, é uma crítica que ele faz ao estudo do Centro Nacional de Investigações Cardiovasculares Carlos III (Cnic): os pesquisadores não consideraram histórico familiar dos participantes, excluindo, dessa forma, os fatores genéticos como um risco em potencial. Ainda assim, o médico considera que o trabalho deve reforçar a importância de medidas preventivas voltadas às pessoas que, independentemente de outras taxas, têm “mau colesterol” elevado. Inclusive, ele cita o epidemiologista canadense Salim Yousef, presidente da Federação Mundial do Coração, que sugeriu, há duas décadas, a adição de estatina à água, para prevenir doenças cardiovasculares. “Claro que teríamos de saber qual a dosagem ideal, mas essa é uma estratégia que poderia ser pesquisada”, observa.