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Pesquisa mostra que brasileiros e brasileiras não compreendem gravidade do diabetes

A lista de complicações da doença, caracterizada pela incapacidade de produção de insulina, é extensa, incluindo amputação, cegueira e problemas cardiovasculares e renais, entre outros.

Ele vai se instalando em silêncio. Mesmo depois do diagnóstico, pode levar anos até que os primeiros sinais do diabetes se manifestem. Porém, quando chegam, comprometem com seriedade a vida do paciente. A lista de complicações da doença, caracterizada pela incapacidade de produção de insulina, é extensa, incluindo amputação, cegueira e problemas cardiovasculares e renais, entre outros. O grau de conhecimento do brasileiro sobre as consequências da enfermidade, contudo, ainda é deficiente, segundo pesquisa encomendada pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). No Brasil, estima-se que 13 milhões de pessoas sofram do problema.

A enquete, que vai nortear as próximas campanhas da SBD, foi feita com 600 internautas, incluindo 145 pacientes. Dez por cento dos participantes não sabiam dizer se tinham a doença. O resultado mostrou que a compreensão da gravidade do diabetes é baixa. Para 67% da população consultada, a obesidade, por exemplo, é mais problemática que o mal crônico. Entre os respondentes que sofrem da enfermidade, esse percentual é de 60%. Cinquenta e nove por cento das pessoas ouvidas e 57% das que têm diabetes consideram a doença tão grave quanto a hipertensão.

No questionário, foi apresentada uma lista de 19 itens, como queda de cabelo, hipoglicemia, câncer de pulmão e coma, para que os participantes dissessem se eram ou não complicações do diabetes. Amputação, cegueira e problemas circulatórios foram associados à doença por 86% dos entrevistados (com ou sem a enfermidade), mas condições também graves, incluindo comprometimento dos rins, doença cardíaca e derrame, não foram tão lembrados pelos dois públicos .

“O infarto agudo do miocárdio tem uma prevalência de duas a quatro vezes maior nos diabéticos do que na população em geral, e as pessoas não se dão conta disso”, surpreende-se a endocrinologista Márcia Queiroz, do Hospital das Clínicas de São Paulo e da SBD.

“A segunda maior causa de diálise no Brasil é o diabetes. Nossos pacientes com diabetes estão indo para a diálise em uma idade economicamente ativa, estão infartando e morrendo de problemas cardiovasculares em uma idade produtiva. Esse desconhecimento chama muito a atenção”, diz. A médica também destaca que o acidente vascular cerebral (AVC) é de duas a quatro vezes mais frequente nos pacientes de diabetes.

Para o presidente do Departamento de Diabetes da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), Walter José Minicucci, os resultados da pesquisa são preocupantes. “Embora esperasse algum nível de desconhecimento, ficamos surpresos com o grau de desinformação. O diabetes está sendo olhado como uma doença que não é grave”, observa. Sem considerar a gravidade do mal, quem não se preocupa em prevenir e quem tem a doença pode não levar o tratamento — que é para a vida toda — tão a sério. “O problema é que, como o tipo 2 da doença (que tem maior prevalência) demora a mostrar os sinais, as pessoas vão levando a vida normalmente até começarem a pagar um preço alto”, diz Minicucci.

Urgência

A bibliotecária aposentada Elair Lopes Alcântara Gomes, 57 anos, sabe bem que a doença pode ter consequências graves. Ela tem o tipo 1, que, geralmente, surge na infância. No caso de Elair, porém, desencadeou-se há cerca de 15 anos. “Perdi muito peso sem fazer nada, toda hora ia ao banheiro. Fiz o exame de glicemia de jejum e estava 540”, recorda. Acima de 126, o paciente é considerado diabético. Entre as complicações, Elair teve um derrame na vista, sofreu perda de audição, polineuropatia (dor e dormência nos nervos de mãos e pés) e retinopatia. A doença, que pode baixar a defesa do organismo, também facilitou uma infecção generalizada que a bibliotecária sofreu quando precisou fazer uma cirurgia de coluna, há cinco anos. Foram 43 dias de internação, sendo 13 na UTI.

Elair conta que, antes de se descobrir diabética, tinha pouco conhecimento sobre a doença. Hoje, em tratamento com uma endocrinologista, sabe o que precisa fazer para controlá-la, mas, mesmo conhecendo as consequências do diabetes não tratado, confessa que, às vezes, escorrega nas recomendações. “É muito difícil controlar a alimentação. De vez em quando, como carboidrato mesmo. E também não cortei a Coca-Cola, mas é zero (sem açúcar)”, diz. Os exercícios físicos, indicados aos pacientes, não agradam a bibliotecária, que conta com um empurrãozinho do melhor amigo para tanto. “Eu falo que o Ninja é meu personal trainer. Ele me coloca para caminhar”, diz, referindo-se ao cão yorkshire que cria.

Impacto de estigmas e falhas políticas

O endocrinologista Flávio A. Cadegiani, membro da Associação Brasileira para Estudos da Obesidade e da Associação Americana de Endocrinologistas Clínicos, entre outras, lamenta que as estratégias educativas sobre a doença não sejam comuns no Brasil. Nos Estados Unidos, onde fez alguns cursos de especialização, o médico conta que os programas de educação em diabetes são considerados tão ou mais importantes que o tratamento médico. “Aqui, não temos quase nada do tipo. Nem os profissionais sabem fazer o preparo dos pacientes para a educação em diabetes. Há apenas alguns programas isolados”, critica.

Procurado pelo Correio, o Ministério da Saúde não informou em quantas unidades vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS) o serviço é oferecido. Por meio da Assessoria de Imprensa, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal disse que, além do Hospital Regional de Taguatinga (referência no tratamento de diabetes), outras unidades de saúde disponibilizam o programa de educação. “O paciente deve procurar o Centro de Saúde mais próximo da sua residência, falar com o enfermeiro responsável pelo Programa de Diabetes, que prestará todas as informações pertinentes e o que está disponível de atividades na unidade”, disse, em nota. No DF, há 150 mil pessoas com diabetes.

Para Flávio A. Cadegiani, a falta de informação reforça os estigmas sobre o diabetes, atrapalhando ainda mais o tratamento. “Os pacientes têm um mecanismo de negação muito grande. Eles não querem admitir que têm uma doença”, diz. O médico lamenta a situação, lembrando da importância de se começar a tratar o distúrbio metabólico antes que a enfermidade se instale. “Na verdade, o diabetes não é uma doença, é a fase final de uma doença, quando já começa a haver a falência das células que produzem insulina”, lembra.

O presidente do Departamento de Diabetes da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), Walter José Minicucci, critica a falta de campanhas por parte do governo federal, que não tem estratégias de comunicação sobre a doença, assim como faz com HIV/Aids e tuberculose, por exemplo. “As campanhas acabam nas mãos das sociedades médicas e de pacientes, que têm um orçamento limitado. O governo fala muito pouco sobre diabetes, mas deveria olhar mais para isso. Essa doença é o primeiro caso de cegueira não causada por traumas, a primeira causa de amputação de membros inferiores, a primeira causa de insuficiência renal. Ou partimos para uma medicina preventiva, os custos com as complicações se tornarão impagáveis.”

Foco na diabesidade

Em outubro, Brasília vai sediar o primeiro simpósio de diabesidade do Brasil. O termo, recente, é formado pela junção das palavras diabetes e obesidade, pois, hoje, os especialistas consideram que são condições intimamente ligadas. “Do ponto de vista metabólico, é quase impossível separar uma da outra. Menos de 3% dos pacientes de diabetes 2 não têm síndrome metabólica (caracterizada por obesidade, entre outros sintomas)”, diz o endocrinologista Flávio A. Cadegiani, que vai presidir o simpósio. De acordo com ele, os novos tratamentos já buscam atacar as duas frentes, ao mesmo tempo.

Por Paloma Oliveto, de 28/09/2016 – Saúde Plena – EM

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