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Uso Frequente de Cannabis Pode Contribuir para Doença Coronariana

Estudo dividido em duas etapas indica que o uso frequente de Cannabis pode ser um fator de risco de doença coronariana.

Na primeira etapa desse grande estudo de coorte populacional realizado nos Estados Unidos, os pacientes que fizeram uso diário de Cannabis apresentaram um aumento de 34% do risco de doença coronariana, em comparação com pacientes que nunca haviam usado a substância. O uso menos frequente não foi associado a aumento do risco da patologia.

Na segunda etapa do estudo, os pacientes com suscetibilidade genética ao transtorno por uso de Cannabis grave apresentaram um aumento do risco de doença coronariana em comparação com outros pacientes.

O Dr. Ishan Paranjpe, médico e primeiro autor do estudo, divulgou recentemente os resultados da pesquisa em uma coletiva de imprensa e, posteriormente, apresentou os achados nas Sessões Científicas do American College of Cardiology (ACC) de 2023, que este ano foi realizado em parceria com o World Congress of Cardiology (WCC).

“Um dos pontos fundamentais [do estudo] é que o uso diário de Cannabis, ao contrário do uso esporádico, foi associado à doença coronariana” em uma grande coorte populacional, disse o Dr. Ishan, médico residente na Stanford University nos EUA, durante a coletiva de imprensa.

“Essa análise foi ajustada para diversos possíveis fatores de confusão, como idade, sexo ao nascimento, índice de massa corporal, raça, escolaridade, tabagismo, hipertensão arterial sistêmica, hipercolesterolemia e diabetes”, observou ele. Mesmo após considerar esses fatores de risco, a associação com o quadro cardiovascular se manteve.

“Em seguida, por meio de randomização mendeliana, deduzimos que pode haver uma relação causal entre [uso de] Cannabis e a doença [arterial] coronariana.” É importante ressaltar que esse efeito não foi dependente do consumo de bebidas alcoólicas ou do tabagismo.

“É provável que a Cannabis não seja totalmente benigna como se imaginava. Além disso, o consumo dessa substância pode gerar um risco cardiovascular que deve ser considerado por todos nós”, disse o Dr. Ishan em uma entrevista ao Medscape.

“Nossa principal conclusão foi que a prevalência de doença coronariana está associada ao consumo de Cannabis”, ele acrescentou. “Outro estudo mecanístico publicado no periódico Cell também mostrou que a Cannabis causa uma inflamação endotelial que pode levar à doença.”

“Portanto, têm surgido evidências de estudos laboratoriais e populacionais indicando que o consumo de Cannabis pode ser prejudicial à saúde cardiovascular”, disse ele. “No entanto, ainda precisamos de mais pesquisas para saber se [a substância] influencia o risco de novos eventos cardiovasculares (como acidente vascular cerebral e infarto agudo do miocárdio) em pacientes com doença coronariana estabelecida.”

Risco de Doença Cardiovascular Aterosclerótica

Convidado para comentar o estudo, o Dr. Robert L. Page II, doutor em farmácia e coordenador do grupo redator da declaração científica “Medical Marijuana, Recreational Cannabis, and Cardiovascular Health” da ACC, publicada em 2020, disse: “Isso corrobora a nossa hipótese de que, se um paciente faz uso de maconha durante um período mais longo, com uma maior exposição, haverá um aumento do risco” de doença cardiovascular aterosclerótica.

“Estamos vendo esse aumento do risco de doença cardiovascular aterosclerótica em jovens de 18 a 40 anos, que pensam que são invencíveis”, disse em entrevista ao Medscape o Dr. Robert, professor na Skaggs School of Pharmacy and Pharmaceutical Sciences da University of Colorado nos EUA, que não participou da pesquisa.

“A conclusão é que o risco observado agora é o mesmo que já havia sido registrado em outros estudos observacionais, o que estimula ainda mais esse debate. Precisamos estar ainda mais atentos ao tema”, disse ele.

“[Médicos da] atenção primária e cardiologistas precisam abordar esse assunto, principalmente com adultos mais jovens, porque é nessa faixa etária que se vê o maior consumo de Cannabis.”

Estudo Observacional ‘All of Us’

Na primeira etapa do estudo, os pesquisadores analisaram dados da coorte “All of Us”, composta por pacientes adultos com no mínimo 18 anos de 340 hospitais e ambulatórios nos EUA.

Eles identificaram 57.958 indivíduos que responderam a um questionário sobre o uso de Cannabis (se ele era medicinal ou recreativo e se a substância era comestível ou utilizada por meio de cigarro/vaporizador) nos últimos três meses.

Foram contabilizados 39.678 pacientes que nunca usaram Cannabis, 8.749 que usaram uma ou duas vezes, 2.075 que usavam mensalmente, 2.720 que usavam semanalmente e 4.736 que usavam diariamente.

No total, 3.506 pacientes tinham doença coronariana, conforme registros em prontuário.

Somente os pcientes que faziam uso diário de Cannabis tiveram um aumento significativo do risco da doença, em comparação com os que nunca usaram a substância (razão de chances [RC] de 1,34; p = 0,001), após ajustes para idade, sexo, hipertensão arterial sistêmica, hiperlipidemia, diabetes tipo 2, índicae de massa corporal, escolaridade, cobertura de seguro-saúde e tabagismo.

A mediana de idade dos que faziam uso diário foi de 41 anos, enquanto a mediana de idade dos pacientes que nunca usaram Cannabis foi de 59 anos.

Estudos de Associação Genômica Ampla

Em seguida, os pesquisadores realizaram uma análise de randomização mendeliana com base em estudos de associação genômica ampla do transtorno por uso de Cannabis com a doença coronariana.

“O transtorno por uso de Cannabis é um diagnóstico psiquiátrico que corresponde a uma dependência grave de Cannabis, equivalente ao ‘transtorno por uso de álcool’, no caso do etilismo”, explicou o Dr. Ishan. “A definição exata do transtorno compreende um uso frequente de Cannabis que leva a dependência significativa (mas a frequência de uso não é especificada).”

Os dados dos estudos de associação genômica ampla sobre o transtorno por uso de Cannabis foram provenientes de uma metanálise  recente composta de três coortes: a do grupo de trabalho Psychiatric Genomics Consortium Substance Use Disorders, a usada no estudo iPSYCH e a do estudo de CODE.

As estatísticas dos estudos de associação genômica ampla da doença arterial coronariana foram obtidas a partir do CARDIoGRAMplusC4D Consortium.

O transtorno por uso de Cannabis foi associado ao aumento significativo do risco de doença coronariana (RC de 1,05; p = 0,001), que persistiu mesmo após o ajuste para o tabagismo e o consumo de bebidas alcoólicas (RC de 1,04; p = 1,07).

American College of Cardiology (ACC) Scientific Session/World Congress of Cardiology (WCC) 2023: Abstract 1458-186. Apresentado em 5 de março de 2023.

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

Fonte: Medscape – Por: Marlene Busko , 10 de março de 2023

” Os artigos aqui postados são de responsabilidade exclusiva de seus autores e respectivas fontes primárias e não representam a opinião da ANAD/FENAD”

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