Estudo baseado no acompanhamento médico de mais de 3.000 pessoas por 25 anos mostra que fumar até três vezes por semana eleva riscos de pré-diabetes em pessoas saudáveis.
O consumo constante da planta Cannabis sativa, a maconha, pode ser mais um fator de risco para o aparecimento de uma condição conhecida como pré-diabetes em adultos com idade ao redor de 50 anos. A descoberta foi anunciada recentemente por pesquisadores da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos após um estudo que teve 25 anos de duração.
Pré-diabetes é um termo usado para classificar as pessoas que convivem com taxas de açúcar no sangue (glicemia) acima do limite normal, mas ainda assim abaixo dos valores estabelecidos para a diabetes. Mesmo assim, a condição começa a preocupar cada vez mais os médicos porque indica que os mecanismos que causam danos ao organismo na diabetes já começaram a se delinear.
Entre 1985 e 1986, um grupo de pesquisadores liderado pelo americano Michael Bancks começou um estudo com 3.151 pessoas com idades entre 18 e 30 anos. Todas as pessoas selecionadas para participar da pesquisa eram saudáveis e não tinham fatores de risco conhecidos para a diabetes (como obesidade e ter pessoas na família com a doença) e o estado que a precede, conhecido como pré-diabetes. Depois, os pesquisadores acompanharam os indicadores de saúde dos participantes do estudo por 25 anos!
Os voluntários fizeram uso da maconha na mesma frequência e quantidade que os adultos jovens americanos costumam utilizar, o que varia entre 12 a 100 vezes ao mês.
Fumar de uma a três vezes por semana modifica o metabolismo. Foto: Ingimage
A conclusão de Bancks e seu grupo, publicada pela revista científica Journal of Diabetology, da Associação Europeia para o Estudo da Diabetes (Easd), foi de que a planta produz um forte impacto sobre o metabolismo glicêmico (do açúcar no sangue). “O uso frequente da maconha está associado a um aumento de 65% no risco de desenvolver pré-diabetes.” Quando se refere ao uso frequente, Bancks está falando em fumar maconha entre uma e três vezes por semana.
Trata-se de uma elevação perigosa de risco, especialmente porque foi verificada em pessoas saudáveis. Para garantir que o estudo fornecesse uma resposta clara em relação ao estado pré-diabético e a maconha, Bancks e seus colaboradores tomaram o cuidado de tirar da pesquisa as pessoas que apresentaram diabetes ao longo do período de observação. Por isso, transcorridos sete anos, o número de participantes do estudo caiu para 3.034.
Para a endocrinologista Maria Fernanda Barca, de São Paulo, as conclusões desse trabalho são muito valiosas. “O quadro de pré-diabetes ocorre quando o seu nível de açúcar no sangue é maior do que o normal, mas ainda não está alto o suficiente para ser classificado como diabetes tipo 2. Por isso, precisa ser controlado”, diz a médica.
Dados da Clínica Mayo, nos Estados Unidos, indicam que se não houver nenhum tipo de intervenção para impedir o agravamento do estado pré-diabético, em cerca de dez anos ele evolui para a diabetes tipo 2. “Mas, na verdade, as mudanças indesejáveis para o coração e o sistema circulatório já estão começando”, diz a endocrinologista.
Cientistas avaliam efeitos do consumo regular da maconha. Foto: Ingimage
Uma das consequências do estado pré-diabético pode ser o aparecimento de uma alteração no metabolismo conhecida como resistência à insulina.
Nestes casos, há uma diminuição do poder de ação da insulina, um hormônio fabricado pelo próprio organismo que ajuda a tirar o açúcar da corrente sanguínea para transformá-lo em reservas de energia armazenadas no interior das células. “O resultado é um aumento na taxa de açúcar no sangue e na possibilidade de manifestar pressão alta, elevação das taxas de colesterol e da circunferência da cintura, um importante indicador de risco cardiovascular”, diz a endocrinologista.
Quando duas ou mais dessas alterações se combinam, elas configuram uma condição que vai além da pré-diabetes e que é chamada pelos médicos de síndrome metabólica. Significa que o seu corpo está convivendo com uma série de alterações do metabolismo que precisam ser controladas para não causar problemas ainda mais sérios, como acidentes vasculares cerebrais. Esse controle é feito com mudanças no estilo de vida, como adotar uma dieta adequada e iniciar alguma atividade física, e também medicamentos.
Achados inesperados
A pesquisa coordenada por Bancks também apresentou alguns resultados surpreendentes. Um deles foi o aumento menor do risco de pré-diabetes no grupo que fumou mais maconha. No caso de quem fumou de uma a três vezes por semana, o aumento das chances de ter pré-diabetes foi de 65%. Mas para quem fumou mais do que isso, o risco foi de 45%.
O dado causa estranheza e motivou o pesquisador Banks a se explicar aos pesquisadores que assistiram a primeira apresentação dos dados do seu trabalho no ultimo congresso internacional de Diabetes, realizado em setembro de 2015 em Estocolmo pela European Association for the Study of Diabetes (Easd). “É um achado científico e estamos analisando. Mas que fique bem claro que não estou fazendo apologia da maconha”, disse Bancks.
Uma das hipóteses para o dado aparentemente contraditório – fumar menos elevaria mais o risco – é de que seja um viés estatístico. Como foram excluídas do estudo pessoas que apresentaram fatores de risco para diabetes ou mesmo diabetes, pode ser isso tenha causado impacto nos cálculos. No entanto, seria um desvio estatístico e não um achado científico.
Outra possibilidade é de exista um efeito parecido com o que já foi detectado em relação ao hipotireoidismo (baixo funcionamento da tireoide) e o consumo de bebidas alcoólicas. “Estudos indicam que quem bebe pouco e regularmente tem mais chances de apresentar hipotireioidismo do que quem bebe maiores quantidades. Trata-se de um fenômeno em estudo”, diz a médica Maria Fernanda
Bandeira vermelha
A Clínica Mayo, um importante centro de referência em tratamento, ensino e pesquisa nos Estados Unidos, listou alguns sinais de alerta para prevenir a transformação do estado pré-diabético na diabetes
Aumento da sede
Vontade frequente de fazer xixi
Fadiga
Visão embaçada
Um sinal possível do risco de diabetes tipo 2 é o escurecimento da pele em certas partes do corpo. Esta condição é chamada nigricans. As áreas afetadas incluem o pescoço, axilas, cotovelos, joelhos e dedos.