Testes com a dapagliflozina em mais de 17 mil voluntários confirmam os benefícios disseminados dessa classe de medicamento. Segundo especialistas, a abordagem integrada evita complicações comuns em diabéticos, como a insuficiência renal.
Chicago (Estados Unidos) — Prevenir e tratar doenças como diabetes, insuficiência cardíaca e problemas renais crônicos de forma conjunta, em uma abordagem holística: essa é a fórmula para um tratamento de sucesso. Pessoas com diabetes têm 33% mais chances de serem hospitalizadas por problemas de coração e um a cada três pacientes sofre de doenças renais. Os dados comprovam a necessidade de terapias integradas. “Temos de pensar no coração e no rim como um casal. É uma relação conjugal. O rim é um órgão regulador e, se algo estiver errado com ele, o coração fica infeliz. Eles vivem em um ambiente integrado”, alerta o nefrologista George Barkis, professor da Universidade de Chicago e diretor do Centro de Hipertensão da instituição.
Um estudo divulgado neste mês, durante o Congresso da Associação Americana de Cardiologia, em Chicago, abre as portas para um tratamento médico capaz de reduzir a glicose no sangue, além de proteger os rins e o coração. A pesquisa realizada em 882 locais, de 33 países, com mais de 17,1 mil pacientes, durou cinco anos. A ideia inicial era cumprir um protocolo de segurança para comprovar que a dapagliflozina, substância usada no tratamento do diabetes, não oferecia riscos cardiovasculares. Mas os resultados surpreenderam médicos e pesquisadores. Além de atestar a segurança da droga, o levantamento indicou que o remédio protege os rins e previne a insuficiência cardíaca. A abrangência da atuação dessa classe de medicamento veio à tona em 2015, com a divulgação de um estudo referente à empagliflozina, outro inibidor de SGLT2, uma classe mais recente de remédios para o diabetes. O levantamento mostrou benefícios cardiovasculares inesperados pelos cientistas e pelos médicos e abriu uma nova fronteira na medicina. Os estudos, a partir daí, se aprofundaram. Os objetivos eram saber se os resultados se reproduziam e explicar seus mecanismos.
Os especialistas queriam descobrir como uma medicação que foi criada para inibir o transporte de glicose no rim, de modo a baixar a glicemia e controlar o diabetes, ajudava a reduzir a mortalidade dos pacientes. Outra dúvida era se isso só acontecia com a empagliflozina ou se os resultados se repetiriam com substâncias que têm ação semelhante. No segundo estudo, com a canagliflozina, mais uma vez os médicos e pesquisadores verificaram os benefícios como a proteção dos rins e a redução dos riscos de insuficiência cardíaca.
Na pesquisa com a empagliflozina, só foram admitidos pacientes que haviam enfrentado algum evento cardiovascular. Eram diabéticos que haviam infartado ou tiveram derrame, por exemplo. Na pesquisa com a canagliflozina, houve uma pequena proporção de pacientes que, além de diabéticos, apresentavam múltiplos fatores de risco. No levantamento mais recente, com a dapagliflozina, a maioria dos voluntários não tinha sofrido evento cardiovascular. Eram diabéticos com mais um fator de risco, além da idade. A seleção mais abrangente de voluntários é a grande diferença da pesquisa divulgada no congresso americano. “Os resultados são semelhantes, tirando alguns detalhes. Em essência, o estudo confirmou que essa classe de medicamentos tem efeito protetivo com relação à insuficiência cardíaca, que é a principal complicação cardíaca do diabetes e a principal causa de morte cardiovascular”, conta o endocrinologista Freddy Eliaschewitz, diretor do Centro de Pesquisas Clínicas de São Paulo (CPClin).
No Brasil
O médico conduziu as pesquisas no Brasil, onde estavam 326 dos 17,1 mil voluntários. “Houve um efeito preventivo, capaz de evitar piora e reduzir a hospitalização. A gente ainda não sabe se há algum efeito terapêutico para a insuficiência cardíaca, isso vai depender de estudos. Mas a pesquisa demonstrou que a substância tem efeito protetor. Ela diminuiu discretamente casos de infarto de miocárdio e demonstrou algo que era totalmente inesperado, mas que, talvez, seja o mais importante, que é o efeito protetor do rim. A dapagliflozina retarda o progresso da disfunção renal”, explica Freddy.
“A gente dispõe de uma classe de medicamentos que atende muitas necessidades e é capaz de prevenir a principal causa de morte cardiovascular e a complicação microvascular mais temida, depois da cegueira, que é o paciente necessitar de diálise e de transplante. É muito importante”, argumenta o diretor do Centro de Pesquisas Clínicas de São Paulo. “Se alguém tinha dúvida com relação à segurança da droga do ponto de vista cardiovascular, ninguém mais tem. Não usá-la também é perder uma oportunidade de preservar o rim. Isso tem uma tremenda importância”.
O endocrinologista Itamar Raz, professor de medicina e diretor da Unidade de Diabetes da Universidade de Hadassah, em Israel, também ressalta a importância da prevenção e do tratamento conjunto do diabetes. “O mais importante é conhecer a doença e fazer o diagnóstico o quanto antes. O segundo ponto é tratá-lo o mais rápido possível, para que o paciente receba assistência antes de sofrer com insuficiência renal ou cardíaca”, justifica o especialista. “É preciso agir em estágio bem precoce para evitar a deterioração dos rins, do fígado e do coração”. *A repórter viajou a convite da AstraZeneca.
Fonte: Ciência e Saúde do CB, por Helena Mader, enviada especial, em 28/11/2018.