Fonte: Folha de S.Paulo, Equilíbrio e Saúde, 24 de março de 2015.
Notícia publicada em: 25.03.2015
Autor: Cláudia Collucci
Terapia experimental, feita em 4 hospitais brasileiros, só é indicada a pessoas que estão prestes a perder membros
Mutilação foi evitada em oito de dez pessoas que receberam as injeções; estudo busca mais voluntários
Há pouco mais de seis meses, o aposentado Julio Cesar de Andrade, 65, recebeu a notícia de que amputaria um dedo do pé que estava prestes a gangrenar por falta de circulação sanguínea. Se não funcionasse, poderia perder o pé ou mesmo parte da perna.
Como última opção, iniciou um tratamento experimental com células-tronco extraídas da medula óssea.
Hoje, cinco meses após a terapia, o sangue voltou a circular nas veias do pé de Andrade, o que evitou a amputação.
Andrade é um dos dez pacientes tratados em um projeto de pesquisa coordenado pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Paraná.
Ele e outras sete pessoas conseguiram evitar a amputação dos pés. Outras duas não tiveram a mesma sorte.
Inédito no país, o estudo é feito em quatro hospitais –dois de Curitiba, um de Salvador (BA) e um de São José do Rio Preto (SP). O financiamento vem do Ministério da Saúde e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
Segundo o médico Jorge Timi, coordenador da pesquisa no Hospital Angelina Caron, de Curitiba (PR), onde oito dos pacientes foram operados, a técnica só é aplicada em pessoas com risco iminente de amputar pés e pernas.
Eles têm uma doença chamada de isquemia de membro inferior, que decorre, principalmente, de complicações do DIABETES. A falta de circulação do sangue provoca entupimento das artérias que irrigam as pernas, o que também pode causar ataques cardíacos e derrames.
No estágio crítico, o paciente mal anda. Tem feridas que não cicatrizam e necrose em partes da perna. Quase todos os casos (98%) acabam em amputação.
“Nada funciona mais. Nem medicamentos [como os vasodilatadores] nem procedimentos [ponte de safena ou stents]”, explica Timi.
Nessa fase da doença, os pacientes têm expectativa de vida 25% menor. Após grandes amputações, esse índice sobe para 50%.
No Brasil ocorrem cerca de 40 mil amputações de membros inferiores por ano, 90% delas causadas por diabetes não controlado adequadamente, segundo a Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular.
TRATAMENTO
As células-tronco têm por característica se dividir e formar duas células filhas. Uma delas permanece igual à de origem e a outra pode se diferenciar em outro tipo de tecido de acordo com o tratamento a ser feito.
Elas liberam imuno-hormônios e fatores de crescimento com alto potencial de estimular a formação de novos vasos sanguíneos.
Com isso, o sangue volta a circular na área isquêmica [com falta de circulação sanguínea], os sintomas desaparecem e há melhora nas feridas decorrentes do problema.
Segundo o médico Paulo Brofman, coordenador do Laboratório de Tecnologia Celular da PUC do Paraná, após serem retiradas do osso do quadril, as células são processadas e injetadas em pontos da perna e do pé.
“A expectativa é que o sangue volte a circular na área isquêmica, melhorando ou curando as feridas.”
VOLUNTÁRIOS
Estudos semelhantes já foram feitos em países como França, Alemanha e EUA. Mas é preciso replicar o tratamento em mais pacientes para que ele possa entrar na prática clínica.
Brofman relata dificuldades no recrutamento de voluntários, especialmente porque o projeto só aceita doentes graves. Muitos nessa fase acabam sendo amputados.